O cientista e o administrador

O cientista e o administrador

28 de março de 2021

Na minha infância, quando pensava em um cientista, imaginava um senhor de idade, com cabelos brancos e despenteados, que ficava trancado e isolado no laboratório devido à grande dificuldade de interagir com outras pessoas. Acreditava que todos tinham esse fenótipo. Agora, como coordenador do Laboratório de Neurociências e docente (no Programa de Pós-Graduação em Ciências Biomédicas e nas Residências Multiprofissionais no Hospital Universitário da Universidade Estadual de Ponta Grossa) vejo que estava totalmente errado.
O cientista deve ter habilidades que ultrapassam o conhecimento aprofundado sobre um assunto específico ou ter ideias de experimentos mirabolantes. Os pesquisadores devem ter uma grande rede de contatos e parcerias com outros pesquisadores, alunos de iniciação científica, mestrado, doutorado e pós-doutorado. Além disso, para conseguir realizar seus projetos e testar suas hipóteses, pesquisadores precisam conseguir dinheiro para comprar equipamento, reagentes, materiais e outras necessidades do seu laboratório.
Assim, as habilidades de um cientista se comparam a de um administrador de uma empresa. Sendo que o produto a ser entregue pelo cientista é o conhecimento. Então, dentre as habilidades necessárias para um cientista temos:

Habilidade de negociar

Para conseguir comprar os equipamentos e insumos necessários para a realização dos projetos de pesquisas, o cientista precisa de dinheiro. No Brasil, grande parte dos recursos financeiros são oriundos das agências de financiamento (CNPq, CAPES, Fundações). Para conseguir estes recursos, o pesquisador deve submeter projetos em editais de financiamento, onde concorrerá com vários outros pesquisadores. Então, o cientista deve ter a capacidade de convencimento, demonstrando o impacto na geração de conhecimento esperado com a realização do seu projeto. Além disso, a negociação é importante também para a criação de convênios com empresas e/ou parcerias com outros laboratórios, necessários para a realização de projetos de pesquisas maiores e de maior impacto na ciência.

Habilidade de gerenciar conflitos

Em um laboratório onde há outros pesquisadores, vários alunos de iniciação científica a pós-doutorado e técnicos de laboratório, além dos convênios e parcerias com outros laboratórios, há uma grande probabilidade de ocorrer conflitos. Um conflito pode gerar resultados negativos no andamento dos projetos, como desmotivação, desistência ou quebra dos convênios ou parcerias. Por isso, o pesquisador deve estar atento e ter a habilidade de gerenciar os conflitos para que causem o menor impacto possível.

Habilidade de gerenciar o tempo

A gestão de todas as atividades de um cientista é importante. Pois, o pesquisador deve acompanhar vários projetos de pesquisa que estão em andamento, ministrar palestras e aulas, redigir artigos, relatórios e novos projetos, participar de congressos, organizar as compras de equipamentos e insumos, gerenciar a equipe, entre várias outras atividades. Desta forma, para conseguir realizar todas estas atividades dentro do prazo, o pesquisador deve conseguir gerenciar o seu tempo de forma adequada.

Habilidade de planejamento

Após a elaboração da hipótese, o pesquisador deve decidir qual é a melhor metodologia que deve ser utilizada para testá-la. A escolha desta metodologia a ser utilizada deve ser minuciosa e levar em consideração os recursos financeiros, humanos e materiais que possui. Assim, quando tiver os resultados da pesquisa, não encontre erros metodológicos que inviabilizem a pesquisa e desperdice recursos (que atualmente estão escassos).

Habilidade de comunicação

A empresa do cientista entrega seu produto, o conhecimento, através de artigos publicados, patentes e palestras. Assim, é importante que o pesquisador tenha uma boa capacidade de comunicação. Ele deve adequar a linguagem conforme a necessidade. Por exemplo, o aprofundamento da informação a ser transmitida na redação de um artigo científico não deve ser o mesmo da utilizada em uma aula de graduação.

Habilidade da visão estratégica

O cientista deve constantemente realizar uma avaliação do seu laboratório e da sua equipe, avaliando as situações, identificando ameaças e oportunidades e tomando as melhores decisões. Com isso, o pesquisador consegue melhorar a produção do seu laboratório através da implantação de novas áreas ou metodologias ou adequação dos projetos conforme as qualidades dos recursos humanos disponíveis.
Portanto, vemos que o cientista deve ter as mesmas qualidades que um administrador de empresas, rompendo aquela ideia passada nos filmes dos antigos (por exemplo, De Volta para o Futuro).

Edmar Miyoshi
Edmar Miyoshi

Farmacêutico
Doutor em Farmacologia
Professor Adjunto do Departamento de Ciências Farmacêuticas
Coordenador do Laboratório de Neurociências (LABNEURO)
Universidade Estadual de Ponta Grossa

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